Quase em extinção, benzedeiras resistem no Paraná

 Quase em extinção, benzedeiras resistem no Paraná
Dona Joana, uma das mais conhecidas benzedeiras do Paraná, mora em Campo Largo
Dona Joana, uma das mais conhecidas benzedeiras do Paraná, mora em Campo Largo (Foto: Franklin de Freitas)

O que já foi tratado como conflito entre ciência e fé, hoje parece pacificado. As benzedeiras, na maioria mulheres que fazem orações, receitam remédios naturais feitos de ervas, hoje trabalham em consonância com a orientação médica. “Eu mando que leve no médico, quando vejo que é coisa pouca, faço o benzimento em cima (depois do atendimento com profissional da saúde)”, conta Dona Agda, de 74 anos, que há 35 atua como benzedeira em Rebouças, no Centro Sul paranaense. Ela é uma das poucas que ainda restam em pequenas comunidades. Hoje, a atividade é vista como ameaçada de extinção.

Com seus 14 mil habitantes, o município de Rebouças é conhecido por ter institucionalizado a atividade de benzedeiras. Elas são praticamente um patrimônio da cidade, e podem receber, desde 2010, um Certificado de Detentor de Ofício Tradicional de Saúde Popular. Hoje, mesmo com o reconhecimento, são apenas 35 mulheres cadastradas que utilizam de técnicas artesanais, medicina alternativa e acreditam ser intermediárias de ação divina para a busca de cura de pessoas que têm fé e seguem as receitas indicadas. Essa institucionalização da atividade fez com que as benzedeiras, que muitas vezes recebem enfermos em busca de ajuda, prestam um serviço fundamental para além da fé: encaminhar doentes para atendimento médico.

A secretária municipal de Saúde de Rebouças, Tania Selhurst, explica que a orientação é “trazer as benzedeiras para perto” e não o contrário. “Os chás que elas usam, as práticas todas, tem um conhecimento envolvido, mal não faz. O que temos feito é trabalhado para não deixar elas de lado, pelo contrário, trazer para perto”.
Curitiba

Em Curitiba, é cada vez mais difícil encontrar benzedeiras. O levantamento mais recente, feito em uma pesquisa do historiador Victor Augustus Graciotto Silva, aponta que em 2009 Curitiba tinha ao menos 60 benzedeiras. Hoje, o próprio autor do livro “As Benzedeiras Tradicionais de Curitiba” afirma que desconhece um número atual aproximado. “Naquela época muitas já eram idosas”, lembra.

Graciotto contou que em Curitiba também há exemplos de parcerias na atuação de benzedeiras com a medicina. Mesmo que sem participação direta do município, os encaminhamentos feitos pelas benzedeiras na capital é percebido em localidades onde a cultura popular é mais enraizada.

Na região da Unidade de Saúde Jardim Gabineto (que hoje está em reforma), na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), até pouco tempo não era incomum encontrar pacientes que já haviam passado pelos ritos da benzedeira Dovalina, ou dona Dova, como é conhecida. Para encontrá-la, a única forma é circular pela região e perguntar por ela, já que não há telefone disponível para contato. Mesmo assim, o atendimento é restrito. A reportagem não conseguiu encontrá-la.

Em Campo Largo, na Região Metropolitana, uma das mais conhecidas é a “mulher do Madeuzinho”, que também atende apenas a comunidade local. Não há telefone ou endereço publicado, apenas sabe-se que atende na Vila dos Pires. Dona Joana é uma das mais antigas na função e já atendeu milhares de pesssoas de Campo Largo. Ela lembra que já chegou a atender duas mil pessoas em eventos que duravam um fim de semana.

Segundo o antropólogo João Baptista Borges Pereira, as benzedeiras do Paraná sofrem influência de uma mistura de culturas, com técnicas indígenas e africanas, ligadas às influências portuguesas e ao cristianismo. “Elas tinham uma preocupação grande de fazer o bem. As benzedeiras fundamentalmente são pessoas do bem”, diz.

Mulheres de Rebouças viraram uma marca da cidade

As benzedeiras paranaenses, destacadas para participar de simpósios e congressos no país inteiro, já são uma marca na cidade de Rebouças. A presença imponente dessas profissionais na crença popular do município acabou gerando uma parceria com o poder público.

A lei municipal de Rebouças que permitiu o reconhecimento da atividade de benzedeira lista como possíveis detentores do certificado pessoas que exerçam “ofícios tradicionais de saúde popular em suas distintas modalidades”: benzedeiros (a), curadores, costureiros (a) de rendiduras ou machucaduras e regulamenta o livre acesso à coleta de plantas medicinais nativas no município de Rebouças, Estado do Paraná, conforme especifica”.

Recentemente, as famosas benzedeiras do município participaram de uma conferência no Rio Grande do Sul e foram acompanhadas pelo prefeito da cidade no evento. “Elas sempre estão por perto. Participaram da pré-conferência e da conferência da saúde do município e são superconsciente. Nós também reconhecemos que a fé é importante para as pessoas que precisam de cura, mas nada substitui o atendimento médico”, destaca a secretária.

O neurocientista Sérgio Felipe de Oliveira, especialista em medicina e espiritualidade, destaca que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já admite a questão espiritual e que existem estudos sobre espiritualidade na prática clínica. “Quando a medicina oficial, o SUS, resolve dialogar com as benzedeiras, encontra-se um ponto que permite o integrativo e esse ponto beneficia o paciente. A força da fé é tremenda, mas precisa haver afeto e amor. Uma relação fria não abre caminhos. Uma relação de afeto e amor soluciona milhões de problemas”, defende.

Cada vez mais difícil de encontrar: “A maioria já faleceu”

A escassez do serviço é confirmada por quem cresceu em meio às benzedeiras. A professora Carla Sbrissia, que trabalha em uma escola em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana, conta que viveu em um ambiente em que as benzedeiras eram muito comuns. “Sou aqui de São José, convivi muito com as benzedeiras na minha infância. Era muito comum, mas agora parece que quase não tem mais. Eram sempre senhoras muito idosas que não passavam o conhecimento para frente, não sei se por falta de interesse de novas gerações, mas a maioria já até faleceu”, conta.

Carla conta que depois de adulta foi atendida por uma benzedeira de Curitiba, conhecida como Dona Ivone, que atendia na Vila Paranaense, no Boqueirão. “Eu fui porque eu era muito magra, as pessoas tinham muita inveja de mim”, conta. “Não sei se acredito, mas me senti mais leve e mais protegida depois”.

Encontro em Curitiba

Curitiba vai receber nos dias 22 e 23 de junho benzedeiras de Rebouças, no espaço Flor de Laranjeira, para ministrarem um curso com técnicas e práticas tradicionais de cura. No segundo dia de evento, domingo, qualquer pessoa poderá participar de benzimentos abertos à comunidade.

Da Redação com informações do Bem paraná.

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